Lei Maria da Penha pode ser aplicada mesmo que a mulher agredida não denuncie a violência
Maria da Penha Maia Fernandes, a mulher que inspirou a lei que leva seu nome
Por dez votos a um, o Supremo decide que o marido agressor pode ser processado e julgado mesmo que a mulher não denuncie a violência.
O Supremo Tribunal Federal decidiu: a Lei Maria da Penha pode ser aplicada mesmo que a mulher agredida não denuncie a violência. Agora qualquer pessoa pode fazer essa denúncia. Foram dez votos a um. E a partir de agora, um vizinho, um parente e não apenas a vítima, a mulher vítima de violência, poderá denunciar o agressor à polícia.
Uma em cada seis brasileiras já foi agredida dentro de casa. O levantamento foi feito pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde que a Lei Maria da Penha foi aprovada, em 2006, para combater e punir a violência doméstica contra a mulher, mais de 330 mil processos foram abertos e 9,7 mil agressores, presos.
Mas, como o agressor é quase sempre o marido ou companheiro, muitas vezes a mulher não denuncia a violência ou até denuncia e depois volta atrás. Neste caso, o processo podia ser suspenso. Agora não pode mais. O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que qualquer pessoa – um vizinho ou um parente – pode comunicar à polícia as agressões sofridas pela mulher. A vítima não pode retirar a queixa.
“Em 90% dos casos em que ocorre essa representação, há o recuo. Recuo mediante uma livre uma manifestação de vontade? Aos 65 anos, eu não acredito mais em Papai Noel”, afirmou o ministro do STF Marco Aurélio Mello.
O presidente do tribunal, ministro Cezar Peluso, votou contra. Ele argumentou que, ao saber que não poderá voltar atrás, a mulher pode ficar ainda mais intimidada e deixar de denunciar o agressor.
“Se ela imaginar que, uma vez feita a notícia-crime, ela não poderá retratar-se jamais, a pergunta é: isto não significaria uma certa contenção ou uma certa inibição, com receio de que eu que agora não tem volta?”, declarou o presidente do STF, Cezar Peluso.
Mas nove ministros concordaram com o relator Marco Aurélio Mello e defenderam que a lei também ajuda no combate ao preconceito.
“A agredida num contexto cultural, patriarcal, renitentemente patriarcal, mais do que isso, machista como o nosso, a agredida tende a condescender com o agressor”, declarou o ministro do STF Carlos Ayres Britto.
“A violência até física dentro de um quarto, dentro uma sala, dentro de casa aniquilou gerações e gerações de mulheres. Quando há violência, não há nada de relação de afetividade. É relação de poder”, comparou a ministra do STF Carmen Lúcia.
O STF também decidiu que a Lei Maria da Penha não fere o princípio da igualdade previsto na Constituição por criar uma proteção exclusivamente para as mulheres.
“A mulher merece essa proteção como forma de assegurar o princípio da igualdade, considerando essa relação de desvantagem, de vulnerabilidade que a mulher tem em relação ao homem”, disse Grace Maria Mendonça, secretária-geral de contencioso da Advocacia-Geral da União (AGU).